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domingo, 3 de julho de 2011
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"Assim todas as coisas inspiram e expiram. Todos são providos de canais de carne, pobres de sangue, sobre toda a superfície do corpo; e em suas extremidades, a superfície extrema da pele é perfurada por muitos poros, de modo a reterem o sangue, permitindo contudo a livre passagem do ar. E quando o fino sangue se afasta (dos poros), penetra neles impetuosamente o ar, para deles ser expirado novamente quando o sangue retorna; assim como quando uma menina brinca com uma clepsidra de brilhante cobre: enquanto conservar sua graciosa mão sobre a boca (da clepsidra) e mergulhá-la no macio corpo da água prateada, não entrará água no vasilhame, pois o peso do ar comprimido contra os estreitos orifícios o impedirá, até que (a moça) liberte a corrente de ar comprimida; então, deixa o ar um espaço vazio, que é ocupado em igual medida pela água. Assim também, quando a água encher por completo o corpo (da vasilha) de cobre, enquanto o pescoço e a boca permanecem fechados pela pele humana, - o ar exterior, que procura entrar, reprime a água, pela pressão em sua superfície, junto à entrada da boca, que deixa ouvir um som borbulhante, até que (a moça) retire a sua mão; então, ao contrário do que acontecia antes, o ar se precipita ao interior, , e um correspondente de água escapa para lhe fazer lugar. da mesma forma o tênue sangue, que percorre as veias, refluindo para o interior, precipita abundantemente a corrente de ar; mas quando, ao contrário, o sangue retorna, o ar é expirado em correspondente quantidade."
Empédocles, Fragmento 100, do poema Sobre a Natureza (Peri Physeus)
in Aristóteles, de respiratione , 7, 473 b 9
Versão de Gerd A. Bornheim, Os Filósofos Pré-Socráticos, São Paulo, Editora Cultrix, 1977
"So do all things inhale and exhale: there are bloodless channels in the flesh of them all, stretched over their bodies' surface, and at the mouths of these channels the outermost surface of skin is pierced right through with many pore, so that the blood is kept in but an easy path is cut for the air to pass through. Then, when the fluid blood rushes away thence, the bubbling air rushes in with violent surge; and when the blood leaps up, the air is breathed out again, just as when a girl plays with a klepsydra of gleaming brass. When she puts the mouth of the pipe against her shapely hand and dips it into the fluid mass of shining water, no liquid enters the vessel, but the bulk of the air within, pressing upon the frequent perforations, holds it back until she uncovers the dense stream; but then, as the air yelds, an equal bulk of waters enters. In just the same way, when water occupies the dephts of the brazen vessel and the passage of its mouth is blocked by human hand, the air outside, striving inwards, holds the water back, holding its surface firm at the gates of the ill-sounding neck until she lets go with her hand; and then again ( the reverse of what happened before), as the breath rushes in, an equal bulk of water runs out before it. And in just the same way, when the fluid blood surging through the limbs rushes backwards and inwards, straightway a stream of air comoes in with swift surge; but when the blood leaps up again, an equal quantity of air is again breathed back."
Empedocles, fr. 100, On Nature poem
Aristotle de respiratione 7, 473 b9
versão em inglês
in G.S. Kirk, & J.E. Raven, The Presocratic Philosophers, London, Cambridge University Press, 1975, p.341
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segunda-feira, 18 de abril de 2011
Empédocles, Fr.17, 1-13, in Simplício, Phys., 158,1*
"A double tale will I tell: at one time it grew to be one only from many, at another it divided again to be many from one. There is a double coming into being of mortal things and a double passing away. One is brought about, and again destroyed, by the coming together of all things, the other grow up and is scattered as things are again divided. And these things never cease from continual shifting, at one time all coming together, through Love, into one, at another each born apart from the others through Strife. (So, in so far as they have learnt to grow into one from many,) and again, when the one is sundered, are once more many, thus far they come into come into being and they have no lasting life; but in so far as they never cease from continual interchange of places, thus far are they ever changeless in the cycle."
Fr. 17, 1-13, Simplicius Phys. 158, 1
" Mas anda, atenta nas minhas palavras; pois aprender aumenta a sageza. Como disse anteriormente, quando declarei os limites das minhas palavras, vou contar uma dupla história: de uma vez, cresceu para ser um só a partir de muitos, doutra, dividiu-se outra vez para ser muitos a partir de um, o fogo e a água e a terra e a vasta altura do ar, e também a discórdia temível separada destes, em toda a parte igualmente equilibrada, e o amor no meio deles, igual em comprimento e largura. Para ele olha com o espírito e não fiques com os olhos ofuscados; pois ele é reconhecido como inato nos membros imortais; por ele são eles capazes de pensamentos bons e de praticar obras de concórdia, dando-lhe o nome de Alegria e a Afrodite. Nenhum homem mortal o conhece, quando ele rodopia no meio dos outros; mas presta atenção à ordenação do meu discurso que não engana. Pois todos estes são iguais e de idade igual, mas cada um tem uma prerrogativa diferente e o seu próprio carácter, e prevalece cada um, por sua vez, à medida que o tempo gira. E além destes, nada mais se gera nem cessa existir; porque se estivessem a ser continuamente destruídos, já não existiriam; e o que poderia aumentar este todo e de onde poderia vir? E como poderiam estas coisas perecer também, visto que nada está vazio delas? Não, há somente estas coisas, e correndo umas pelas outras, elas tornam-se umas vezes isto, outras aquilo, e permanecem, contudo, sempre como são."
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Empédocles, Fr.17, v.14, in Simplício, Phys., 158, 13 (continuação de Fr.17, 1-13)
Trad.: Op.cit.
*Trad.: Kirk e Raven, Os Filósofos Pré-Socráticos, trad. C.A.L. Fonseca, B.R. Barbosa, M.A.Pegado, Gulbenkian, Lisboa.
"But come, hearken to my words; for learning increaseth wisdom. As I said before when I declared the limits of my words, a double tale will I tell: at one time is grew to be one only from many, at another it divided again to be many from one, fire and water and earth and the vast height of air, dread Strife too, apart from these, everywhere equally balanced, and Love in their midst, equal in lenght and breadth. On her to thou gaze with the mind, and sit not with dazed eyes; for she is recognized as inborn in mortal limbs; by her they think kind thoughts and do the works of concord, calling her Joy by name and Aphrodite. Her does no mortal man know as she whirls around amid the others; but do thou pay heed to the undeceitful ordering of my discourse. For all these are equal, and of like age, but each has a different prerogatif and its own character, and in turn they prevail as time comes round. And besides these nothing else comes into being nor ceases to be; for if they were continually being destroyed, they would no longer be; and what could increase this whole, and whence could it come? And how could these things perish too, since nothing is empty of them? Nay, there are these things alone, and running through one another they become now this and now that and yet remain ever as they are."
Fr.17, 1. 14, Simplicius Phys. 158,13 (continuing Fr. 1. 17, 1-13)
Kirk, G.S., & Raven, J.E., The Presocratic Philosophers, University Press, Cambridge, 1975.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
"O vocábulo chinês que significa a palavra, o sinal sonoro ou escrito, o nome, é o mesmo que serve para designar a própria vida ou destino: ming [falta aqui representar o pictograma; desconhecemos os passos necessários]. A vida, assinalada pelo seu destino, marcada no seu começo e no seu fim, numa palavra, com os seus signos próprios, é uma cifra, uma letra, ou um sinal, tal como, por outro lado, os sinais têm também a sua vida. Quererá isto dizer a equação segundo a qual não haverá vida sem sinal, ou sinal sem vida? O sentido arquetípico desta designação parece adensar ainda mais o sentido organicista e funcional de uma linguagem em que nada se pode definir de modo absoluto e estático, porque absoluta só é a relação e o dinamismo global. O dizer - yen (1), como um 'mostrar', a acção da boca e o gesto ostensivo, refere o poder da própria palavra no sentido da invocação eficaz, ou seja, do estatuto mágico segundo o qual saber o nome é ter poder sobre a coisa, ou melhor, realizá-la.
(1) Desconhecemos as ferramentas para incluir o pictograma neste post.
Silva, C. (Carlos Henrique do Carmo Silva) (1984), "Dos Signos Primitivos: preliminares etiológicos para uma reflexão sobre a essência da linguagem" In: Análise, vol.1, nº2, 1984.
Breve comentário:
Interessantes passagens de um profundo artigo deste autor.
No entanto não me dispenso de fazer uma breve observação relativamente ao último parágrafo: Mas por que é que a 'cerca' ou a 'caixa' 'delimitam' no sentido de fechamento ("denotando o seu significado como signo fechado")? Porque não havemos de dar um sentido de abertura dessas mesmas 'cerca' ou 'caixa'? Tal como acontece com a metáfora do 'poro' ou da 'porta', p.ex., a 'cerca' e a 'caixa' também indicam o sentido de abertura a partir precisamente da sua de-limitação. É estranho que o autor não mencione este aspecto. Dá a impressão que não deu por ele...
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Daí que noutros textos o autor seja tão adepto do termo 'indiferença' e não antes do de 'diferença'. Basta ler a expressão 'coisas médias'. No seu texto sente-se a renúncia a uma inscrição da diferença que se reafirme em relação à diferencialidade neutral das «coisas médias». o 'diferencial' permanece na intermediariedade que acima analisámos.
Por outro lado, as «coisas médias» remetem neste autor claramente para a «mística», para o esotérico e para o hermetismo.
Este comentário encontra-se em elaboração.
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sexta-feira, 1 de abril de 2011
De qualquer maneira deu coragem aos meus guerreiros
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Advertência: São feitos alguns acrescentos na narrativa para compensar a ausência de imagens, estas que são tão cruciais na sua relação ao texto.
Se a beberagem de Astérix restitui a coragem aos Bretões, uma boa notícia levanta o moral dos romanos.
"Avé, general! Caius Boi de Pisus manda dizer que a poção mágica e os gauleses que a transportavam estão no fundo do rio!"
General: Por Júpiter! é a altura de atacar!
Tocam as trombetas: tarariiiiii... tarariiiiii.....
Mais uma vez, podemos gozar o espectáculo da legião romana a fazer manobras...
"Centuriões, decuriões, legionários! Não há perigo os nossos adversários perderam simultaneamente os seus aliados gauleses e a poção!
... Em quadrado
"vencer sem perigo evita consequências...
...Em triângulo...
"Ao ataque!!!"
Astérix: Legionários! Dêem atenção. Aqui estamos e temos a poção mágica. Ainda se podem render!
... Em círculo (todos encolhidos para o centro do círculo)!
Um legionário: Conheço aquele de quando estava em aquarium, é Astérix!
Outro legionário: e se é Astérix, o seu camarada Obélix não está longe!
E outro legionário: Qual Obélix? O doido?!!?...
E outro ainda: E deram poção mágica aos Bretões!
"Acabem com isso!! Ao ataque!!!"
Obélix, da paliçada: Claro! Ataquem! Obedeçam ao vosso chefe!... Por Toutatis! Já nem há disciplina! Ao ataque se faz favor!
O chefe bretão: Vamos a eles, Astérix?
Astérix: vamos a eles!
Dois dos legionários perante a investida:
Fazem uma saída!
Entram nas nossas linhas!
Astérix: Obélix! isto não é teu! deixa passar os outros!
Obélix: Ah, isso não! Os turistas primeiro!
O chefe bretão: Hurrá, e todas as coisas mais!
Última fase da esplêndida manobra Romana: a retirada, em desordem.
Dois legionários em aflição no meio do tumulto:
Um: "Salve-se quem puder!"
Outro: "Não sei se posso mas vou experimentar!
Obélix e companhia irrompem no meio dos romanos: Tchraaaaac!!
O chefe bretão: Fogem!
Outro bretão: Vitória!
Astérix para Obélix que segura debaixo do braço um legionário estrebuchando e esperneando: Larga-o! Que lhe queres fazer mais?
Obélix: Estava a pensar acabá-lo mais trade, tranquilamente!...
Chefe bretão: Obrigado, obrigado Astérix! Graças a ti vencemos os romanos. Vou persegui-los e libertar toda Bretanha!
Astérix: Sabe, o que beberam não era a poção mágica...
Obélix, entretanto, assobiando, dá uma leve tapa na tola do legionário o qual sai disparado como uma rolha de garrafa, com uma expressão característica daquelas burlescas situações no canto do quadradinho.
Chefe bretão: Desconfiava... de qualquer maneira deu coragem aos meus guerreiros. Quando chegares à tua aldeia, manda-me mais ervas. farei dito a nacional bebida [o chá]!
Astérix e os Bretões, texto de Goscinny, desenhos de Uderzo
Uma aventura de Astérix o gaulês
terça-feira, 22 de março de 2011
Um homem tão rápido como eu não podia ser senão outro eu
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(...)
Lucky Luke deparando-se surpreendido com o seu reflexo num espelho na penumbra da casa de um rancho assombrado.
Lucky Luke: “Há aqui gente!”. Pam! (dispara no espelho)
Dziing (o espelho estilhaça-se).
Lucky Luke: “Um espelho”.
Lucky Luke volta-se para o leitor: “Um homem tão rápido como eu não podia ser senão outro eu.”
(...)
In: O rancho maldito, por Facha – J. Léturgie – Claude Guy Louïs.
Lucky Luke: “O homem que atira mais rápido que a sua sombra”.
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domingo, 20 de março de 2011
É tão vesgo que é incapaz de entrar por uma janela : como vê duas, entra na do meio (…)
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«(…)
BLAM. Au!...?!
Os dois rebeldes: O que é? Não sei!
Legenda do narrador: Alguns segundos mais tarde…
Pombo correio (legenda em surdina): Tal… Talvez seja formidável, este instinto, mas continua a ser impreciso!
Um dos rebeldes: É apenas um idiota de um pombo com um galo na cabeça!
O outro rebelde: Bom, já compreendi, é o pombo do Prabang: deve trazer uma mensagem…
Trá-lo para aqui, depressa!
O primeiro rebelde: O.K. !
O segundo rebelde: É um pombo atrozmente estrábico… É tão vesgo que é incapaz de entrar por uma janela: como vê duas, entra na do meio (…)
O pombo em surdina: Só havia uma janela?!
(…)»
BD. Fournier, As Aventuras de Spirou e Fantásio: O Inspector da Mafia, Lisboa, Trad. Maria Isabel Roseiro, Edit. Publica, 1983, pgs.36 e 37.
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sábado, 19 de março de 2011
Deixe a cadeira sossegada.. se me atirar com ela, ela ricocheteará no mesmo obstáculo e, além disso, poderia aleijá-lo, o que muito me desolaria!
[…]
Com um sorriso sardónico nos lábios, o doutor Septimus está plantado à sua frente…
D.Septimus.: Então, meu caro… fez-lhe bem, esse sono reparador? A propósito: sabia que ressona?...
Mortimer : Hem? O que é que?...
D.Septimus: Agora a sério, meu caro professor. Foi muito amável em ter vindo entregar-se nas minhas mãos, quando eu me preparava para conseguir o mesmo com a ajuda de sábias maquinações…
Bruscamente, Mortimer, furibundo, corre para Septimus, mas…
Mortimer: Canalha !!!...
D.S.: !
Ainda não tinha [Mortimer] dado três passos quando choca contra um obstáculo invisível.
Mortimer: Ooh
D.Septimus: Ah! Ah! Ah! O que acha da minha cortina electromagnética?... Uma pequena invenção minha. É muito prática, como vê, para acalmar pessoas nervosas!...
Mortimer: ?
Mortimer põe-se de pé e, ameaçador, pega numa cadeira. Mas Septimus aconselha-o…
D.Septimus: Deixe a cadeira sossegada.. se me atirar com ela, ela ricocheteará no mesmo ostáculo e, além disso, poderia aleijá-lo, o que muito me desolaria!
[…]
Edgar P. Jacobs, A Marca Amarela
As aventuras de Blake and Mortimer
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quinta-feira, 17 de março de 2011
Where can I find a man who had forgotten words? He is the one I would like to talk to.
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tinta da china em papel
luís tavares
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“The purpose of a fish trap is to catch fish,
And when the fish are caught, the trap is forgotten.
The purpose of a rabbit snare is to catch rabbits.
When the rabbits are caught, the snare is forgotten.
The purpose of words is to convey ideas.
When the ideas are grasped, the words are forgotten.
Where can I find a man who had forgotten words?
He is the one I would like to talk to.”
Chuang-Tzu
David Schiller, The Little Zen Companion, Workman Publishing, New York, 1994, p.58.
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Vladimir: O tempo parou. Pozzo: (Encostando o relógio ao ouvido) O senhor não acredite nisso, não acredite nisso. (Volta a pôr o relógio no bolso) Tu
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« (…) Minetti:
O mergulho de cabeça na obra de arte
minha senhora
de cabeça
Com o objecto do espírito
contra o lixo do espírito
com a obra de arte
contra a sociedade
contra a boçalidade
(Esgrimindo com o chapéu-de-chuva no ar, subitamente)
Persegui-los
(Cabisbaixo)
Enfiar o barrete do espírito
na cabeça da boçalidade
(Alto, indignado)
Com o barrete do espírito
estrangular a boçalidade
a sociedade
tudo
estrangulado com o barrete do espírito
Maquinar um grande espectáculo
enfiar o barrete do espírito na cabeça da boçalidade
(…) »
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Teatro. Thomas Bernhard, Minetti, trad. João Barrento, Lisboa, Ed. Cotovia, 1990, p.40.
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segunda-feira, 7 de março de 2011
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1.
“Vladimir: Será que nunca mais é noite?
Olham os três para o céu.
Pozzo: Só se vão embora quando for noite?
Estragon: Quer dizer –
Pozzo: Mas é natural, é perfeitamente natural. Eu próprio, se estivesse na vossa situação, se tivesse um encontro marcado com um Godin… Godet… Godot… ou lá como é, eu próprio só desistia quando ficasse noite bem escura. (Olha para o banco.) Apetecia-me mesmo sentar, mas não sei bem como é que devo fazer.
Estragon: Posso ajudá-lo?
Pozzo: Se calhar se me pedisse.
Estragon: O quê?
Pozzo: Se me pedisse para eu me sentar.
Estragon: Isso ajudava?
Pozzo: Creio que sim.
Estragon: Então vamos lá. Sente-se, meu senhor, faça o obséquio.
Pozzo: Ai não, não, nem pensar! (Pausa. Aparte.) Peça outra vez.
Estragon: Vá lá, sente-se, eu insisto, ainda apanha uma pneumonia.
Pozzo: Acha mesmo?
Estragon: Tenho a certeza absoluta.
Pozzo: Tem toda a razão. (Senta-se) Cá estou eu outra vez! (Pausa) Muito obrigado, meu caro. (Consulta o relógio) Mas, se quero cumprir o meu horário, tenho mesmo de me ir embora.
Vladimir: O tempo parou.
Pozzo: (Encostando o relógio ao ouvido) O senhor não acredite nisso, não acredite nisso. (Volta a pôr o relógio no bolso) Tudo o que quiser, mas isso não.
Estragon: (para Pozzo) Ele hoje vê tudo negro.
Pozzo: Excepto o firmamento! (Ri satisfeito com a sua frase)
(…)
Samuel Beckett, À Espera de Godot, Trad. J.M.V.Mendes, Lisboa, Cotovia, 2002, p.50.
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Estudo-versão-cromática-azul-avioletado a partir de 'bodegón' (natureza morta, 1946) de Picasso.
Acrílico sobre prancha de cartão entelado, 23x35+-, 2002.
By L.Tavares
Col. privada.
"Os flancos e o fundo - aquilo em que consiste a vasilha e pelo qual ela se mantém de pé - não são, propriamente falando, o que contém. Mas se o continente reside no vazio da vasilha, então o oleiro, que, sobre o seu torno enforma os flancos e o fundo, não fabrica, propriamente falando, a vasilha. Ele somente dá forma à argila. Que digo eu? Ele dá forma ao vazio. É para o vazio, é nele e a partir dele que enforma a argila para dela fazer uma coisa que tem forma. O oleiro alcança primeiro e alcança sempre o inalcançável do vazio, ele o produz como um continente e lhe dá a forma dum vaso."
"A coisa" in Martin Heidegger, Essais et conférences, trad. André Préau, Paris, Gallimard, p.199, 1995.
Tradução do trecho: Luís Tavares
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domingo, 6 de março de 2011
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“ Prof. Girassol: Bom! Como fazemos então para não nos esborracharmos contra a Lua?... Simplesmente obrigar nosso foguete a dar meia volta… para isso basta desligar o propulsor principal e pôr em acção um reator lateral… Uma vez o foguete virado, o jacto do nosso motor atómico será dirigido para a Lua, contendo a nossa descida, o que, se tudo correr bem, nos permitirá alunissar com suficiente lentidão… Compreende?...
Capitão Haddock: Sim, acho que seria uma repetição da partida, mas ao contrário…”
Versão brasileira (1970)
Outra versão:
Prof. Girassol:«Bom! Então que fazer para não nos irmos esmagar na lua? …Muito simplesmente voltar o foguetão, isto é, fazê-lo virar os pés para a cabeça… Para isso, basta primeiro, parar o propulsor principal e, depois, pôr em marcha o reactor lateral… Uma vez o foguetão virado, o jacto do motor atómico será dirigido para a Lua e travará a descida, o que nos permitirá, se tudo correr bem, alunar docemente… Está a perceber?...
Capitão Haddok: Em suma, se bem percebo, é a mesma coisa que para a partida, com a diferença de que é exactamente o contrário!»
In «As Aventuras de Tintim» de Hergé, Explorando a Lua (versão publicada pelo Jornal “Público”
sexta-feira, 4 de março de 2011
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«Cush: “ Estou à vossa espera desde ontem.”
“Ah… És tu, Cush… Tens razão, mas tivemos de fazer um longo desvio, para não encontrarmos as patrulhas turcas e os Benilahej.”
Cush: “Ugh! Não é verdade que está escrito: Justificares-te não te trará camelos de recompensa?... É inútil explicares as razões do teu atraso. Estás atrasado e chega.”
“Sim, mas no Surate 10 está escrito: o amigo não censurará o amigo. E agora chega de toda esta história (…)”»
In: “As Etiópicas”, p.8. Corto Maltese, Por Hugo Pratt.
(...)
Corto Maltese: «Pois foi…É verdade que o abandonei… Mas porque é que não o deveria ter feito?... Por amizade?... Por lealdade?... Mas o que estou para aqui a dizer…
Não tenho que me justificar perante ninguém… Ouvem-me? Escapei-me! Tive medo de morrer e escapei-me…
… E escapar-me-ei todas as vezes que quiser… Vão todos para o inferno!...
Uma pedra rola: «sock!»
Não sou um herói…
Sou como os outros… E tenho o direito de me enganar como toda a gente… Tranquilamente, sem ter de fazer um exame de consciência todas as vezes…»
Corto Maltese, Op.cit., p.17.
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quinta-feira, 3 de março de 2011
"Oh! il est Logicien!"
"(...)
Le Logicien, sortant de sa réserve.
Messieurs, excusez-moi d'intervenir. Là n'est pas la question. Permettez-moi de me présenter...
La Ménagère, en larmes.
C'est un Logicien!
Le patron
Oh! il est Logicien!
Le vieux monsieur, présentant le Logicien à Bérenger.
Mon ami, le Logicien!
Bérenger
Enchanté, Monsieur.
Le Logicien, continuant.
...Logicien professionnel: voici ma carte d'identité.
Il montre sa carte
Bérenger
Très honoré, Monsieur.
L'Épicier
Nous sommes très honorés.
Le patron
Voulez-vous nous dire alors, monsieurs le Logicien, si le rhinocéros africain est unicornu...
Le vieux monsieur
Ou bicornu...
L'épicière
Et si le rhinocéros asiatique est bicornu.
L'épicier
Ou bien bicornu.
Le logicien
Justement, là n'est pas la question. C'est ce que je me dois de préciser.
L'épicier
C'est pourtant ce qu'on aurait voulu savoir.
Le logicien
Laissez moi parler, Messieurs.
Le vieux monsieur
Laissons-le parler.
L'épicière, à l'Épicier, de la fenêtre
Laisse-le donc parler.
Le patron
On vous écoute, Monsieur.
Le logicien, à Bérenger.
C'est à vous, surtout, que je m'adresse. Aux autres personnes présentes aussi.
L'épicier
À nous aussi...
Le logicien
Voyez-vous, le débat portait tout d'abord sur un problème dont vous vous êtes malgré vous écarté. Vous vous demandiez, au départ, si le rhinocéros qui vient de passer est bien celui de tout à l'heure, ou si c'en est un autre. C'est à cela qu'il faut répondre.
Bérenger
De quelle façon?
Le logicien
Voici: vous pouvez avoir vu deux fois un même rhinocéros portant une seule corne...
Lépicier, répétant, comme pour mieux compreendre.
Deux fois le même rhinocéros.
Le patron, même jeu.
Portant une seule corne...
Le logicien, continuant.
...Comme vous pouvez avoir vu deux fois un même rhinocéros à deux cornes.
Le vieux monsieur, répétant.
Un seul rhinocéros à deux cornes, deux fois...
Le logicien
C'est cela. Vous pouvez encore avoir vu un premier rhinocéros à une corne, puis un autre, ayant également une seule corne.
L'épicière, de la fenêtre.
Ha,ha...
Le logicien
Et aussi um premier rhinocéros à deux cornes, puis un second rhinocéros à deux cornes.
(...)"
Eugène Ionesco, Rhinocéros, Paris, Folio, 2008
Na foto: Ionesco.
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Et « Orient » en portugais : « Portugal » !
-
"(...)
L'élève
J'ai mal aux dents.
Le professeur
Je dis donc: dans certaines expressions, d'usage courant, certains mots diffèrent totalement d'une langue à l'autre, si bien que la langue employée est, en ce cas, sensiblement plus facile à identifier. Je vous donne un exemple : l'expression néo-espagnole célèbre à Madrid : « ma patrie est la Néo-Espagne », devient en italien : «ma patrie est...
L'élève
La Néo-Espagne.»
Le professeur
Non ! « Ma patrie est l'Italie. » Dites-moi alors, par simple déduction, comment dites-vous « Italie» en français?
L'élève
J'ai mal aux dents!
Le professeur
C'est pourtant bien simple : pour le mot «Italie», en français nous avons le mot «France» qui en est la traduction exacte. « Ma patrie est la France.» Et «France» en oriental: «Orient»! «Ma patrie est l'Orient.» Et «Orient» en portugais: «Portugal»! L'expression oriental: «ma patrie est l'Orient» se traduit donc de cette façon en portugais : « ma patrie est le Portugal»! Et ainsi de suite...
L'élève
Ça va! Ça va! J'ai mal ...
Le professeur
Aux dents! Dents! Dents!.. Je vais vous les arracher, moi! Encore un autre exemple. (...)"
Eugène Ionesco, La leçon, Paris, Folio, 2008, p.73
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Estudo das botas de camponesa de Van Gogh
Acrílico sobre tela sintética colada em tábua, 25x35cm +-.
Pintura de Luís Tavares
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Na escura abertura do interior gasto dos sapatos, fita-nos a dificuldade e o cansaço dos passos do trabalhador. Na gravidade rude e sólida dos sapatos está retida a tenacidade do lento caminhar pelos sulcos que se estendem até longe, sempre iguais, pelo campo, sobre o qual sopra um vento agreste. No couro, está a humidade e a fertilidade do solo. Sob as solas, insinua-se a solidão do caminho do campo, pela noite que cai. No apetrecho para calçar impera o apelo calado da terra, a sua muda oferta do trigo que amadurec e a sua inexplicável recusa na desolada improdutividade do campo no Inverno. Por este apetrecho passa o calado temor pela segurança do pão, a silenciosa alegria de vencer uma vez mais a miséria, a angústia do nascimento iminente e o tremor ante a ameaça da morte. Este apetrecho pertence à terra e está abrigado no mundo da camponesa. É partir desta abrigada pertença que o próprio produto surge para o seu repousar-em-si-mesmo.
Martim Heidegger, A Origem da Obra de Arte, trad. M. Conceição Costa, Ed. 70, 1992, p.25.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Atlândida 1
Pintura de Luís Tavares
Colecção particular
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Somos sonhados. Isso parece-me plausível. Por quê? Por quem? Não me parecem perguntas importantes...
transferido dum post 25/05/2008
Transferido dum post 25/07/2008
R137. É nesta paradigmatica que é introduzido o fingimento ou dissimulação, a Verstellung, e o seu correlato, a ilusão. Prévias à génese, efeito fundamentalmente do intelecto como suplemento, dissimulação e ilusão são prévias assim à verdade, a qual se situa apenas no segundo tempo da génese e será um meio útil de conservação do homem racional, seja o homem de acção, seja o homem da ciência, homem da verdade, pois. Em contraste, o homem intuitivo será o homem da ilusão, da dissimulação, do sonho, do carnaval, do jogo, do mito, da arte, da poesia. É certo que o homem da verdade, submetido aos conceitos, também releva das originárias ilusão e dissimulação, mas esquecido e inconscient de tal por via da génese, sob forma de distorção pela rigidez e regularidade do edifício conceptual. (itálicos nossos)."
Belo, F., Leituras de Aristóteles e de Nietzsche, Lisboa, Gulbenkian, 1994, p.269.
transf. de post de 25/07/08
.
Luz helénica
Ou Atlântida 1
Obra desaparecida
Autor: Luís Tavares
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Transferido de post de 31/07/08
Atlântida 3
Pintura de Luís de Barreiros Tavares
Colecção: Luísa Pinto Ramos
transferido de outro post em 01/08/2008
"Expliquei na minha conferência que o ideal da ciência é obter aquilo a que chamei «síntese computacional dos fenómenos», ou seja, reproduzir, a partir de equações ou de programas de computadores, uma espécie de duplo da realidade empírica. Por exemplo, o ideal da mecânica clássica é utilizar a equação de Newton, resolvê-la através de um grande computador, e obter uma imagem perfeitamente exacta dos anéis de Saturno."
Jean Petitot em entrevista (conduzida por Nuno Nabais), Expresso, 9 de Novembro de 1996.
Trata-se de uma admirável explicação - concisa, exacta, de uma clareza sem mácula - daquilo que a ciência quer: criar uma realidade virtual. Em rigor, é isso que nem a poesia nem a filosofia nem a arte querem ou podem querer.
Desde logo, uma advertência: é de evitar ver nesta apreciação qualquer traço litigioso entre ciência e filosofia; decisivo é, ao invés, sublinhar sem qualquer equívoco o que separa a ciência, assim estabelecida, da filosofia e da poesia. Nesse sentido, é necessário pôr a descoberto a diferença específica entre o mundo tal como a ciência o vê: uma ocasião para a geração, em imagem dupla, de outro mundo em que o primeiro fique integrado, e aquilo que se liberta do mundo pelo esforço de que seja feita uma apresentação poética, filosófica ou artística. Por outras palavras, o grande sonho (bem acordado) da ciência é produzir um mundo que replique, reproduza, o mundo que há, através de modelos e operadores complexos - neste caso, electrónicos -, o que tem como resultado a transformação do mundo que há no mundo a que temos acesso, por meio desses mesmos modelos e operadores. Este resultado final é em tudo contrário ao anseio de que a representação se solte, se descole da própria coisa como outros tantos aspectos da sua fisionomia. E aqui poderíamos evocar, a título de exemplo e para lá das suas especificações irredutíveis, Platão e Goethe, Espinosa, Benjamin ou Wittgenstein; como também é contrário à visão de que a literatura autêntica seja aquela que acabe por abraçar a realidade, recorrendo àquilo a que Hermann Broch chama os «vocábulos de realidade», ou, como igualmente lhes chama Mandelstam, «ornamentos», cuja energia expressiva alimenta a recitação da natureza, i.e, a poesia, isso que é um efeito de uma impotência da alma em absorver a realidade mesma, como de modo excelente nos esclarece Jorge de Sena, ou ainda, por escavação no breu que ameaça sempre devorar-nos, fazer cintilar aquilo que espera também sempre poder cintilar, como diz Giorgio Colli que escavaram Stendhal e Proust, e, uma vez mais ainda, acrescentar um aspecto à nostalgia indestrutível de um mundo melhor, como é o caso de Gerhard rRchter, no momento em que se interroga sobre o valor de uma estúpida demonstração dos pincéis.
O cientista russo Vernadsky retomou uma teoria segundo a qual existiria em volta da terra uma «noosfera»: uma espécie de envelope em que estaria arquivada a memória das culturas. Ela conteria todas as ideias, imagens e concepções desenvolvidas pela humanidade, desde o seu começo até aos nossos dias . Seria preferível entrar em contacto com essa noosfera do que com a Internet.
Veja a história da representação: os dedos traçando sinais na areia, depois com pigmentos nas paredes das cavernas, depois no papel ou noutro material, depois a fotografia, o cinema, o vídeo, as imagens numéricas, a realidade virtual - todos sabemos que a representação se tornou indiscernível do mundo real. Cada vez vivemos mais num mundo construído como o dos sonhos: o que nos faz apreciar melhor os prazeres sensuais do mundo natural, a sua beleza sublime.
Ilya Kabakov e Tm Shannon, respectivamente."
in: Molder, M. F., A Imperfeição da Filosofia, Lisboa, Rel. D'água, 2003, p.128
Leitura:
1. "(...)uma ocasião para a geração, em imagem dupla, de outro mundo em que o primeiro fique integrado(...)
(...) produzir um mundo que replique, reproduza, o mundo que há, através de modelos e operadores complexos (...)
(...) o que tem como resultado a transformação do mundo que há no mundo a que temos acesso (...)
Dir-se-ia haver na ciência a tentativa de surpreender a surpresa do mundo que há de dentro e a do mundo que há de fora («o mundo que há no mundo»). Quer dizer, a ciência parece pretender uma re-produção que surpreenda aquela surpresa do mundo através de um decalque representativo («produzir um mundo que replique, reproduza» (sublinhados nossos)). Enfim, uma vontade de domínio segundo outros moldes (ou outros modelos?).
2. Há aqui uma subtil ironia. É que apesar de e porque (expressão tão utilizada por Vladimir Jankélévitch, «bien que et parce que») " cada vez vivemos mais num mundo construído como o dos sonhos: o que nos faz apreciar melhor os prazeres sensuais do mundo natural, a sua beleza sublime" não deixa de haver, no entanto, uma nuance, não «litigiosa» entre ciência e filosofia. Mas como que um apelo a um relance de dados, pois também há «a imperfeição da filosofia».
Transferido de outro post 04/08/2008
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Carlos Castaneda, A Roda do Tempo, citação de O Poder do Silêncio, Nova Era, Rio de Janeiro, p.294.
A nossa «auto-imagem» não deve ser uma imagem fotográfica ou uma imagem de retrato (de fachada), quer dizer de «embromação». Nem uma imagem de «encantamentos» (de adorno, de enfeite, etc.). Ela deverá ser um movimento de ressalto destes efeitos gorados. Uma extra-sensação, um sopro de extra-sensações, de extra-percepções abstractas na sua descolagem desafectada. Estas extra-sensações abstractas re-configuram outra imagem sempre reenviada num livre-trânsito (usando uma metáfora, como nos passes sociais dos transportes). Uma espécie de co-presença (presença a si) do corpo. Todavia, co-presença invisível no sentido de não ser do plano da vulgar visualização (da trivial auto-visualização).
A visualização, a surgir, só surge quando o novo olhar de um outro-novo «nada», ou de um «vazio», de um invisível que já não assusta - que já não é o vazio ou nada do niilismo ocidental ("o niilismo, o mais temível de todos os hóspedes", Heidegger, Carta Acerca do Humanismo), da «ignorância abissal» (Castaneda), mas o olhar da co-presença do corpo (corpo-olhar), do corpo não re-presentado como dado adquirido, mas de um in-visível que é o não figurado, in-visível que atravessa agora o visível. A visualização só surge, dizia, quando este novo olhar é a imagem do próprio olhar. A visualização só surge quando o corpo olha. Ou antes, quando o olhar é feito corpo. Não propriamente enquanto corpo projectado, mas à maneira do que releva do facto real de que o cosmos nos reflecte. Este é como se sabe um dos pontos de vista da teoria do corpo espelho.
Aqui o olhar é mais do que o ver. É mais do que ele; não porque o ultrapasse, mas porque já não visa o «ver sempre ainda mais» que é o risco que o ver tende sempre a correr.
E no entanto, mais fulgurante do que isto não será escutar o seu silêncio?
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Empédocles
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Atlântida 5
Pintura de Luís Tavares
Colecção privada
Fr. 17, 1-13, Simplicius Phys. 158, 1
Kirk, G.S., & Raven, J.E., The Presocratic Philosophers, University Press, Cambridge, 1975.
" Vou contar uma dupla história: de uma vez cresceu para ser um só a partir de muitos, de outra, dividiu-se de novo para ser muitos a partir de um. Há um duplo nascimento das coisas mortais e um duplo deixar de existir. Um é gerado e depois destruído, pela junção de todas as coisas, o outro cresce e é espalhado à medida que as coisas de novo se dividem. E estas coisas nunca cessam o seu mover contínuo, ora convergindo num todo, graças ao Amor, ora cada uma separada das outras pela Discórdia. (Assim, na medida em que aprenderam a fazer-se num a partir de muitos) e de novo, quando esse um está separado, são uma vez mais muitos, assim nascem e não têm vida duradoura; mas, na medida em que nunca cessam a intermutação contínua de lugares, nessa medida eles são sempre imutáveis no ciclo."
Empédocles, Fr.17, 1-13, in Simplício, Phys., 158,1
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Trad.: Kirk e Raven, Os Filósofos Pré-Socráticos, trad. C.A.L. Fonseca, B.R. Barbosa, M.A.Pegado, Gulbenkian, Lisboa.
"But come, hearken to my words; for learning increaseth wisdom. As I said before when I declared the limits of my words, a double tale will I tell: at one time is grew to be one only from many, at another it divided again to be many from one, fire and water and earth and the vast height of air, dread Strife too, apart from these, everywhere equally balanced, and Love in their midst, equal in lenght and breadth. On her to thou gaze with the mind, and sit not with dazed eyes; for she is recognized as inborn in mortal limbs; by her they think kind thoughts and do the works of concord, calling her Joy by name and Aphrodite. Her does no mortal man know as she whirls around amid the others; but do thou pay heed to the undeceitful ordering of my discourse. For all these are equal, and of like age, but each has a different prerogatif and its own character, and in turn they prevail as time comes round. And besides these nothing else comes into being nor ceases to be; for if they were continually being destroyed, they would no longer be; and what could increase this whole, and whence could it come? And how could these things perish too, since nothing is empty of them? Nay, there are these things alone, and running through one another they become now this and now that and yet remain ever as they are."
Fr.17, 1. 14, Simplicius Phys. 158,13 (continuing Fr. 1. 17, 1-13)
Op.cit.
" Mas anda, atenta nas minhas palavras; pois aprender aumenta a sageza. Como disse anteriormente, quando declarei os limites das minhas palavras, vou contar uma dupla história: de uma vez, cresceu para ser um só a partir de muitos, doutra, dividiu-se outra vez para ser muitos a partir de um, o fogo e a água e a terra e a vasta altura do ar, e também a discórdia temível separada destes, em toda a parte igualmente equilibrada, e o amor no meio deles, igual em comprimento e largura. Para ele olha com o espírito e não fiques com os olhos ofuscados; pois ele é reconhecido como inato nos membros imortais; por ele são eles capazes de pensamentos bons e de praticar obras de concórdia, dando-lhe o nome de Alegria e a Afrodite. Nenhum homem mortal o conhece, quando ele rodopia no meio dos outros; mas presta atenção à ordenação do meu discurso que não engana. Pois todos estes são iguais e de idade igual, mas cada um tem uma prerrogativa diferente e o seu próprio carácter, e prevalece cada um, por sua vez, à medida que o tempo gira. E além destes, nada mais se gera nem cessa existir; porque se estivessem a ser continuamente destruídos, já não existiriam; e o que poderia aumentar este todo e de onde poderia vir? E como poderiam estas coisas perecer também, visto que nada está vazio delas? Não, há somente estas coisas, e correndo umas pelas outras, elas tornam-se umas vezes isto, outras aquilo, e permanecem, contudo, sempre como são."
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Empédocles, Fr.17, v.14, in Simplício, Phys., 158, 13 (continuação de Fr.17, 1-13)
Trad.: Op.cit.
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