segunda-feira, 7 de março de 2011



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1.


“Vladimir: Será que nunca mais é noite?

Olham os três para o céu.

Pozzo: Só se vão embora quando for noite?

Estragon: Quer dizer –

Pozzo: Mas é natural, é perfeitamente natural. Eu próprio, se estivesse na vossa situação, se tivesse um encontro marcado com um Godin… Godet… Godot… ou lá como é, eu próprio só desistia quando ficasse noite bem escura. (Olha para o banco.) Apetecia-me mesmo sentar, mas não sei bem como é que devo fazer.

Estragon: Posso ajudá-lo?

Pozzo: Se calhar se me pedisse.

Estragon: O quê?

Pozzo: Se me pedisse para eu me sentar.

Estragon: Isso ajudava?

Pozzo: Creio que sim.

Estragon: Então vamos lá. Sente-se, meu senhor, faça o obséquio.

Pozzo: Ai não, não, nem pensar! (Pausa. Aparte.) Peça outra vez.

Estragon: Vá lá, sente-se, eu insisto, ainda apanha uma pneumonia.

Pozzo: Acha mesmo?

Estragon: Tenho a certeza absoluta.

Pozzo: Tem toda a razão. (Senta-se) Cá estou eu outra vez! (Pausa) Muito obrigado, meu caro. (Consulta o relógio) Mas, se quero cumprir o meu horário, tenho mesmo de me ir embora.

Vladimir: O tempo parou.

Pozzo: (Encostando o relógio ao ouvido) O senhor não acredite nisso, não acredite nisso. (Volta a pôr o relógio no bolso) Tudo o que quiser, mas isso não.

Estragon: (para Pozzo) Ele hoje vê tudo negro.

Pozzo: Excepto o firmamento! (Ri satisfeito com a sua frase)

(…)
Samuel Beckett, À Espera de Godot, Trad. J.M.V.Mendes, Lisboa, Cotovia, 2002, p.50.

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