quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

"No último momento o Alcestes de Eurípedes é agraciado pelos deuses. No instante supremo, Deus dispensa Abraão do sacrifício atroz. Não é que o sofrimento tenha, como o fogo purificante da catártica, virtudes desinfectantes: trata-se antes de que a infelicidade absoluta garante a inocência do infeliz, - na condição, bem entendido, que este «infeliz» não enviese para a graça presumida, não apague a dispensa final, não especule clandestinamente sobre a eficácia redentora de sua infelicidade, não jogue ele mesmo, em suma, a comédia desta infelicidade olhando-se ao espelho como se tratasse da infelicidade de outro. O trágico que se torna tragédia, o desespero que redunda em «disperato» de teatro, o infeliz cujo desenlace está previsto são antes de tudo imagens num espelho e diversões para consciências impuras."






Jankélévitch, V. Le Pur et L'Impur, Paris, col.champs, Flammarion, 1978, p.292.






Neste interessante fragmento o que mais merece atenção não são as questões do puro e do impuro nas suas oposições. Mas antes como o autor faz circular essas questões de uma para a outra para as reformular. Mostrando a complexidade do quase nada (presque rien) das suas relações opostas para o quase tudo (presque tout) dessas mesmas. Se bem que do nosso ponto de vista Jankélévitch seja um pensador da moral, e por isso, não deixe de ter como referenciais importantes da sua reflexão as questões do puro e do impuro, do bem e do mal, etc. Donde que inevitavelmente estes binómios tendam a prevalecer enquanto 'leimotivs'.

Transferido dum post 25/07/2008

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