terça-feira, 18 de janeiro de 2011

«Para o homem racional, manter a fixação de sua auto-imagem assegura a sua ignorância abissal. Ele ignora o facto de que o xamanismo não significa encantamentos e embromação, mas a liberdade para perceber, não só o mundo tomado sem discussão, mas tudo o mais que é humanamente possível realizar. Ele treme diante da possibilidade da liberdade. E a liberdade está ao alcance das mãos.»


Carlos Castaneda, A Roda do Tempo, citação de O Poder do Silêncio, Nova Era, Rio de Janeiro, p.294.


A nossa «auto-imagem» não deve ser uma imagem fotográfica ou uma imagem de retrato (de fachada), quer dizer de «embromação». Nem uma imagem de «encantamentos» (de adorno, de enfeite, etc.). Ela deverá ser um movimento de ressalto destes efeitos gorados. Uma extra-sensação, um sopro de extra-sensações, de extra-percepções abstractas na sua descolagem desafectada. Estas extra-sensações abstractas re-configuram outra imagem sempre reenviada num livre-trânsito (usando uma metáfora, como nos passes sociais dos transportes). Uma espécie de co-presença (presença a si) do corpo. Todavia, co-presença invisível no sentido de não ser do plano da vulgar visualização (da trivial auto-visualização).


A visualização, a surgir, só surge quando o novo olhar de um outro-novo «nada», ou de um «vazio», de um invisível que já não assusta - que já não é o vazio ou nada do niilismo ocidental ("o niilismo, o mais temível de todos os hóspedes", Heidegger, Carta Acerca do Humanismo), da «ignorância abissal» (Castaneda), mas o olhar da co-presença do corpo (corpo-olhar), do corpo não re-presentado como dado adquirido, mas de um in-visível que é o não figurado, in-visível que atravessa agora o visível. A visualização só surge, dizia, quando este novo olhar é a imagem do próprio olhar. A visualização só surge quando o corpo olha. Ou antes, quando o olhar é feito corpo. Não propriamente enquanto corpo projectado, mas à maneira do que releva do facto real de que o cosmos nos reflecte. Este é como se sabe um dos pontos de vista da teoria do corpo espelho.


Aqui o olhar é mais do que o ver. É mais do que ele; não porque o ultrapasse, mas porque já não visa o «ver sempre ainda mais» que é o risco que o ver tende sempre a correr.
E no entanto, mais fulgurante do que isto não será escutar o seu silêncio?

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