segunda-feira, 18 de abril de 2011

" Vou contar uma dupla história: de uma vez cresceu para ser um só a partir de muitos, de outra, dividiu-se de novo para ser muitos a partir de um. Há um duplo nascimento das coisas mortais e um duplo deixar de existir. Um é gerado e depois destruído, pela junção de todas as coisas, o outro cresce e é espalhado à medida que as coisas de novo se dividem. E estas coisas nunca cessam o seu mover contínuo, ora convergindo num todo, graças ao Amor, ora cada uma separada das outras pela Discórdia. (Assim, na medida em que aprenderam a fazer-se num a partir de muitos) e de novo, quando esse um está separado, são uma vez mais muitos, assim nascem e não têm vida duradoura; mas, na medida em que nunca cessam a intermutação contínua de lugares, nessa medida eles são sempre imutáveis no ciclo."

Empédocles, Fr.17, 1-13, in Simplício, Phys., 158,1*



"A double tale will I tell: at one time it grew to be one only from many, at another it divided again to be many from one. There is a double coming into being of mortal things and a double passing away. One is brought about, and again destroyed, by the coming together of all things, the other grow up and is scattered as things are again divided. And these things never cease from continual shifting, at one time all coming together, through Love, into one, at another each born apart from the others through Strife. (So, in so far as they have learnt to grow into one from many,) and again, when the one is sundered, are once more many, thus far they come into come into being and they have no lasting life; but in so far as they never cease from continual interchange of places, thus far are they ever changeless in the cycle."

Fr. 17, 1-13, Simplicius Phys. 158, 1

" Mas anda, atenta nas minhas palavras; pois aprender aumenta a sageza. Como disse anteriormente, quando declarei os limites das minhas palavras, vou contar uma dupla história: de uma vez, cresceu para ser um só a partir de muitos, doutra, dividiu-se outra vez para ser muitos a partir de um, o fogo e a água e a terra e a vasta altura do ar, e também a discórdia temível separada destes, em toda a parte igualmente equilibrada, e o amor no meio deles, igual em comprimento e largura. Para ele olha com o espírito e não fiques com os olhos ofuscados; pois ele é reconhecido como inato nos membros imortais; por ele são eles capazes de pensamentos bons e de praticar obras de concórdia, dando-lhe o nome de Alegria e a Afrodite. Nenhum homem mortal o conhece, quando ele rodopia no meio dos outros; mas presta atenção à ordenação do meu discurso que não engana. Pois todos estes são iguais e de idade igual, mas cada um tem uma prerrogativa diferente e o seu próprio carácter, e prevalece cada um, por sua vez, à medida que o tempo gira. E além destes, nada mais se gera nem cessa existir; porque se estivessem a ser continuamente destruídos, já não existiriam; e o que poderia aumentar este todo e de onde poderia vir? E como poderiam estas coisas perecer também, visto que nada está vazio delas? Não, há somente estas coisas, e correndo umas pelas outras, elas tornam-se umas vezes isto, outras aquilo, e permanecem, contudo, sempre como são."

.
Empédocles, Fr.17, v.14, in Simplício, Phys., 158, 13 (continuação de Fr.17, 1-13)

Trad.: Op.cit.

*Trad.: Kirk e Raven, Os Filósofos Pré-Socráticos, trad. C.A.L. Fonseca, B.R. Barbosa, M.A.Pegado, Gulbenkian, Lisboa.



"But come, hearken to my words; for learning increaseth wisdom. As I said before when I declared the limits of my words, a double tale will I tell: at one time is grew to be one only from many, at another it divided again to be many from one, fire and water and earth and the vast height of air, dread Strife too, apart from these, everywhere equally balanced, and Love in their midst, equal in lenght and breadth. On her to thou gaze with the mind, and sit not with dazed eyes; for she is recognized as inborn in mortal limbs; by her they think kind thoughts and do the works of concord, calling her Joy by name and Aphrodite. Her does no mortal man know as she whirls around amid the others; but do thou pay heed to the undeceitful ordering of my discourse. For all these are equal, and of like age, but each has a different prerogatif and its own character, and in turn they prevail as time comes round. And besides these nothing else comes into being nor ceases to be; for if they were continually being destroyed, they would no longer be; and what could increase this whole, and whence could it come? And how could these things perish too, since nothing is empty of them? Nay, there are these things alone, and running through one another they become now this and now that and yet remain ever as they are."


Fr.17, 1. 14, Simplicius Phys. 158,13 (continuing Fr. 1. 17, 1-13)

Kirk, G.S., & Raven, J.E., The Presocratic Philosophers, University Press, Cambridge, 1975.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

.




"O vocábulo chinês que significa a palavra, o sinal sonoro ou escrito, o nome, é o mesmo que serve para designar a própria vida ou destino: ming [falta aqui representar o pictograma; desconhecemos os passos necessários]. A vida, assinalada pelo seu destino, marcada no seu começo e no seu fim, numa palavra, com os seus signos próprios, é uma cifra, uma letra, ou um sinal, tal como, por outro lado, os sinais têm também a sua vida. Quererá isto dizer a equação segundo a qual não haverá vida sem sinal, ou sinal sem vida? O sentido arquetípico desta designação parece adensar ainda mais o sentido organicista e funcional de uma linguagem em que nada se pode definir de modo absoluto e estático, porque absoluta só é a relação e o dinamismo global. O dizer - yen (1), como um 'mostrar', a acção da boca e o gesto ostensivo, refere o poder da própria palavra no sentido da invocação eficaz, ou seja, do estatuto mágico segundo o qual saber o nome é ter poder sobre a coisa, ou melhor, realizá-la.



Independentemente da arte de tcheng ming, isto é, de 'correcta designação', assimilável à recta ratio do moderno pensamento europeu, o que importa sublinhar é o lugar vital, ritual, ou a ordem dinâmica em que se situa a linguagem como intermédio entre a abstracção do ser material estático, e a abstracção da imóvel ordem da idealidade.



Aquém ou além do excessivo, ming é a medida do que pode e deve ser dito, tal como é ainda possível reconstituir nos radicais do seu símbolo gráfico. Ming é um carácter formado pela justaposição dos sinais da boca e da tarde, isto é, do chamamento invocado por essa abertura da boca, e do crepúsculo que separa o dia da noite, representado pelo grafismo da Lua que se começa a ver emergindo no horizonte. Na penumbra do momento, assim assinalado, é necessário o nome como o chamamento que identifica alguém, ou seja, é necessário dizer-se o nome para ser conhecido, não havendo já luz para se ver, sem nome, nem ainda treva que não permita reconhecer a quem o nome pertence ou é dado. Reputa-se de grande importância este carácter médio, esta condição 'penumbrática' do nome dos signos da língua chinesa, pois, recuperando ainda a tradição arqueológica acerca da origem destes signos, encontra-se no nó (fu), o momento médio das duas pontas da corda, sendo o signo, a um tempo, coalescente e diferencial. Mas esta condição do significar torna-se ainda mais óbvia se se recordar a legendária criação dos kua ou trigramas Fo-Hi, depois deste sábio e santo homem ter, segundo a tradição, examinado o Céu e a Terra, e procurado, enfim, a natureza de coisas médias.




O âmbito expressivo do signo no seu grafismo parece implicar o recorte espacial, a delimitação de uma área onde ainda se veja claro. É curiosa a comparação, sobre este aspecto, do grafismo chinês, com alguns ideogramas da civilização Maya, pois, naqueles que implicam o sentido da «palavra» encontra-se o sinal gráfico de uma cercadura, ou de uma inclusão, denotando o seu significado como signo «fechado». A palavra ou o falar em maya (t'an) anda, portanto, associada à «boca», mas também à «cerca» ou «caixa» que delimita o que se diz. T'an representa deste modo um dito que se vela, mesmo quando se re-vela: ou seja, 'a palavra é sempre sagrada'»



(1) Desconhecemos as ferramentas para incluir o pictograma neste post.




Silva, C. (Carlos Henrique do Carmo Silva) (1984), "Dos Signos Primitivos: preliminares etiológicos para uma reflexão sobre a essência da linguagem" In: Análise, vol.1, nº2, 1984.


Breve comentário:
Interessantes passagens de um profundo artigo deste autor.
No entanto não me dispenso de fazer uma breve observação relativamente ao último parágrafo: Mas por que é que a 'cerca' ou a 'caixa' 'delimitam' no sentido de fechamento ("denotando o seu significado como signo fechado")? Porque não havemos de dar um sentido de abertura dessas mesmas 'cerca' ou 'caixa'? Tal como acontece com a metáfora do 'poro' ou da 'porta', p.ex., a 'cerca' e a 'caixa' também indicam o sentido de abertura a partir precisamente da sua de-limitação. É estranho que o autor não mencione este aspecto. Dá a impressão que não deu por ele...


.
Depois também é interessante ver as vezes em que o termo 'tradição' é utilizado.


Aqui a questão da intermediariedade remete visivelmente para uma tradição de pensamento do plano da 'inteligibilidade', quer dizer, de uma invisibilidade que vê, ou de uma visibilidade do invisível de vertente platónica. Por isso, intermediariedade associada à anterioridade. E interioridade com tradição num pensamento do intus-legere (latim: do ver em, ver dentro; quer dizer, de um ver que se pretende ver fora e dentro - pois atravessa, no seu ver, através das aparências - mas que não deixa no entanto de se estabelecer num plano neutral, pretensamente indiferente - mas afim a uma hierarquia do real e das coisas culminando na idealidade platónica. Enfim, a inteligibilidade de um plano intermédio que acaba por recair no plano médio da neutralidade e de uma indiferença teorético-contemplativa, que se pretende do fora e do dentro. Mas nessa intermediariedade aspira a um «dentro» subjectivo radicado no sagrado, no teológico e no onto-teológico.

Daí que noutros textos o autor seja tão adepto do termo 'indiferença' e não antes do de 'diferença'. Basta ler a expressão 'coisas médias'. No seu texto sente-se a renúncia a uma inscrição da diferença que se reafirme em relação à diferencialidade neutral das «coisas médias». o 'diferencial' permanece na intermediariedade que acima analisámos.
Por outro lado, as «coisas médias» remetem neste autor claramente para a «mística», para o esotérico e para o hermetismo.


Assim, as «coisas médias» servirão para invocar a interioridade (aliada à anterioridade). Enfim, como meio para outro meio da ordem de um 'dentro'.


Talvez a compreensão da linguagem seja sempre, por mais que estejamos atentos, atravessada por um vazio de silêncio, que por vezes nos escapa, com seu modo, lugar e tempo em que se manifesta. Ao qual é preciso responder com o silêncio sem linguagem, com o desapego desta ainda através dela porque ecoando o outro silêncio, o outro vazio. Isto talvez se deva à nossa insuficiente compreensão da espiritualidade do Oriente. Porquê? Porque toda esta terminologia tende muitas vezes a acabar por se inscrever num registo espiritual ocidental.


Este comentário encontra-se em elaboração.

.




sexta-feira, 1 de abril de 2011

De qualquer maneira deu coragem aos meus guerreiros




_
Advertência: São feitos alguns acrescentos na narrativa para compensar a ausência de imagens, estas que são tão cruciais na sua relação ao texto.

Se a beberagem de Astérix restitui a coragem aos Bretões, uma boa notícia levanta o moral dos romanos.

"Avé, general! Caius Boi de Pisus manda dizer que a poção mágica e os gauleses que a transportavam estão no fundo do rio!"

General: Por Júpiter! é a altura de atacar!

Tocam as trombetas: tarariiiiii... tarariiiiii.....

Mais uma vez, podemos gozar o espectáculo da legião romana a fazer manobras...

"Centuriões, decuriões, legionários! Não há perigo os nossos adversários perderam simultaneamente os seus aliados gauleses e a poção!

... Em quadrado

"vencer sem perigo evita consequências...

...Em triângulo...

"Ao ataque!!!"

Astérix: Legionários! Dêem atenção. Aqui estamos e temos a poção mágica. Ainda se podem render!

... Em círculo (todos encolhidos para o centro do círculo)!

Um legionário: Conheço aquele de quando estava em aquarium, é Astérix!

Outro legionário: e se é Astérix, o seu camarada Obélix não está longe!

E outro legionário: Qual Obélix? O doido?!!?...

E outro ainda: E deram poção mágica aos Bretões!

"Acabem com isso!! Ao ataque!!!"

Obélix, da paliçada: Claro! Ataquem! Obedeçam ao vosso chefe!... Por Toutatis! Já nem há disciplina! Ao ataque se faz favor!

O chefe bretão: Vamos a eles, Astérix?

Astérix: vamos a eles!

Dois dos legionários perante a investida:

Fazem uma saída!

Entram nas nossas linhas!

Astérix: Obélix! isto não é teu! deixa passar os outros!

Obélix: Ah, isso não! Os turistas primeiro!

O chefe bretão: Hurrá, e todas as coisas mais!

Última fase da esplêndida manobra Romana: a retirada, em desordem.

Dois legionários em aflição no meio do tumulto:

Um: "Salve-se quem puder!"

Outro: "Não sei se posso mas vou experimentar!

Obélix e companhia irrompem no meio dos romanos: Tchraaaaac!!

O chefe bretão: Fogem!

Outro bretão: Vitória!

Astérix para Obélix que segura debaixo do braço um legionário estrebuchando e esperneando: Larga-o! Que lhe queres fazer mais?

Obélix: Estava a pensar acabá-lo mais trade, tranquilamente!...

Chefe bretão: Obrigado, obrigado Astérix! Graças a ti vencemos os romanos. Vou persegui-los e libertar toda Bretanha!

Astérix: Sabe, o que beberam não era a poção mágica...

Obélix, entretanto, assobiando, dá uma leve tapa na tola do legionário o qual sai disparado como uma rolha de garrafa, com uma expressão característica daquelas burlescas situações no canto do quadradinho.

Chefe bretão: Desconfiava... de qualquer maneira deu coragem aos meus guerreiros. Quando chegares à tua aldeia, manda-me mais ervas. farei dito a nacional bebida [o chá]!


Astérix e os Bretões, texto de Goscinny, desenhos de Uderzo
Uma aventura de Astérix o gaulês